Aprendizados para lideranças que curam

Consistência, coerência e integridade constroem pontes para um mundo novo que emerge, com ou sem novas pandemias.

Dario Neto e Marcel Fukayama

Uma das perguntas que os líderes mais recebem é sobre como será o mundo pós-Covid-19. Como mencionamos na última coluna, ainda parece ser cedo para dizer como será esse futuro, porém, já temos elementos para projetar que não será o mesmo de antes em muitas perspectivas. Dentre muitos dos principais aprendizados e reflexões, destacamos alguns que temos percebido em nossas comunidades do Capitalismo Consciente e Sistema B como alguns dos principais ensinamentos às lideranças organizacionais desse novo mundo que emerge.

Digitalização viabiliza o “E”: Se há um jeito de cuidar da saúde E da economia, ele é a digitalização. O Brasil possui as bases para a digitalização com 230 milhões de smartphones ativos e 80% dos domicílios com acesso à internet. No entanto, entramos na crise com 1% dos 5 milhões de varejistas transacionando no digital. Imagine um dos maiores varejos do País tendo de fechar suas lojas por conta da pandemia, mas, mesmo assim, aumentar suas vendas. O Magalu ficou por semanas com suas 1.157 lojas fechadas e incrementou, no mesmo período, 37% as vendas pela internet. Com o programa “Parceiro Magalu” ainda incluiu digitalmente 20 mil pequenos varejistas em 60 dias. Porém, se engana quem pensa que basta vender pela internet. O impacto é muito mais profundo. Trata-se de um novo jeito de pensar e de fazer. As empresas que abraçaram a cultura digital antes já tiveram e terão resultados superiores. Digitalização tem tudo a ver com impacto e consciência.

Caixa em dia reforça a resiliência e oportuniza cuidado: De acordo com a revista The Economist, das 2 mil maiores empresas do mundo, apenas 25% delas têm dinheiro em caixa. Isto é, três em cada quatro grandes empresas do mundo estão endividadas. Passar por uma crise recheada de incertezas como a da pandemia de Covid-19 é um grande desafio. Aquelas empresas que chegaram à pandemia com liquidez financeira tendem a ter mais tranquilidade para tomar decisões melhores, mais qualificadas. Além disso, estão menos sujeitas a alavancagens e com mais chance de investimentos corretos que podem posicionar o negócio em um lugar melhor para a retomada. Nesse sentido, destaca-se a posição da Gerdau que reportou EBITDA de R$ 1,2 bilhão no primeiro trimestre com R$ 6 bilhões em caixa e, apesar de toda a incerteza futura do mercado do aço, tem conseguido viabilizar amor e cuidado por meio dos já superados R$ 20 milhões doados e traduzidos em projetos de cuidado com seus stakeholders. O autocuidado financeiro reforça a perenidade do negócio e oportuniza o propósito na prática em sua máxima potência em momentos difíceis.

Ativismo faz diferença econômica: Um estudo do Ipsos com 1,2 mil brasileiros das classes A, B e C descobriu que 30% das pessoas já compraram algum produto que destina parte de sua receita a uma causa social, ambiental ou cultural. Outros 23% já optaram por comprar um produto que ajudava a uma causa, em vez de uma marca concorrente. Ou seja, é crescente a preocupação do consumidor com o ativismo de marca. Seja um ativismo ambiental, como a luta da Natura na defesa da Amazônia, ou social, como a igualdade racial abraçada pela Ben & Jerry’s, isso capitaliza a marca e seu posicionamento, mas, sobretudo, expressa um lugar da corajosa liderança perante seus colaboradores e o papel da organização na sociedade. Assim como foi na crise de 2008 nos Estados Unidos, negócios conscientes estão ganhando o share of heart dos consumidores, e isso já está aumentando o share of wallet, por consequência natural. Posicione-se corajosa e diligentemente como marca.

Culturas conscientes são mais responsivas e perenes: Imagine uma das maiores empresas de cosméticos do mundo passar a produzir álcool em gel. Assim, ainda no fim de março, uma das maiores compradoras de álcool orgânico, a Empresa B Natura Cosméticos, paralisou a produção de itens de maquiagem e perfume, priorizando itens essenciais de higiene a partir da aprovação unânime, rápida e pioneira de todo o seu comitê executivo. A Natura mostrou que culturas verdadeiramente pautadas em amor e cuidado são mais responsivas e transbordam primeiro para a sua cadeia de valor. Além disso, salários de executivos foram cortados, promoções, aumentos e viagens foram congeladas e R$ 1 bilhão dos controladores foi injetado no caixa para reforçar a liquidez e a confiança no modelo de negócio longo prazista e exemplar.

A não digitalização do trabalho já gera vergonha: Em uma pesquisa realizada pelo banco suíço UBS com 6 mil pessoas nos Estados Unidos, França, Alemanha e Reino Unido, 20% dos entrevistados dizem que já reduziram o número de suas viagens aéreas sob o efeito do flight shaming. O movimento sueco que já gerou queda de dois dígitos anuais no número de voos domésticos do país ganha a Europa motivado pela vergonha individual de voar e gerar emissões de CO2 sem necessidade. Lideranças que curam valorizam e encorajam o trabalho a distância sempre que essa adaptação é possível. Isso deixou de ser tendência bastante reafirmada na pandemia e virou responsabilidade e cuidado com as pessoas e o meio ambiente.

Esses aprendizados mostram que uma liderança que cura cuida do curto prazo sem perder a mirada de longo prazo. Evidenciam, principalmente, como esse perfil de liderança identifica pontos de apoio para alcançar mais resiliência e responsividade em meio à crise.

Por fim, também mostram que os êxitos obtidos em tempos incertos são construídos antes da crise, quando ninguém sequer imaginaria esse cenário. A consistência, a coerência e a integridade da liderança que cura constrói constantemente pontes para um mundo novo que emerge, com ou sem novas pandemias.

Dario Neto é diretor geral do Instituto Capitalismo Consciente Brasil e CEO do Grupo Anga.
Marcel Fukayama é diretor geral do Sistema B Internacional.

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